Deliberações do TCU contrapõem argumentos que afirmam que Tribunal estaria tabelando os componentes do BDI, incluindo o lucro das empresas
Muito se tem evoluído nos aspectos relacionados à composição analítica do BDI (Bonificação - ou lucro - e Despesas Indiretas). À escassez de literatura técnica predominante até o fim dos anos 90 se contrapõe a publicação de inúmeros artigos, livros e trabalhos técnicos abordando o tema na última década. Como consequência, vão-se harmonizando diversos entendimentos a ele concernentes, a exemplo da não inserção na taxa de BDI das despesas relacionadas exclusivamente com o empreendimento, como os gastos com o canteiro de obras.
A recente edição pelo TCU (Tribunal de Contas da União) dos acórdãos 325/2007 e 2369/2011, ambos do Plenário, reacendeu a polêmica que envolvia a questão, provocando intensos debates e manifestações nem sempre consentâneas com a adequada interpretação das deliberações da Corte de Contas.
Talvez a mais importante - e não menos equivocada - manifestação observada nos últimos meses seja a de que o TCU estaria tabelando os componentes do BDI, aí incluída a taxa de lucro das empresas contratadas pela Administração Pública. Ora, tal afirmação não encontra nenhum fundamento nas próprias deliberações contestadas, pois os dois acórdãos mencionam explicitamente versarem sobre referências a serem observadas pelos gestores públicos, como se pode aferir nos trechos abaixo transcritos:
AC-325/2007 - Plenário
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9.2. aprovar os valores abaixo listados como faixa referencial para o LDI em obras de linhas de transmissão e subestações:
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AC-2369/2011 - Plenário
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9.3. orientar as unidades técnicas deste Tribunal a utilizar, até que sejam finalizados os exames do grupo de trabalho interdisciplinar a que se refere o item 9.1 supra:
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9.3.2. os valores referenciais para taxas de BDI contidos nas tabelas a seguir, específicos para cada tipo de obra discriminado:
Essas deliberações estabelecem, portanto, faixas referenciais e não limites absolutos a serem cumpridos.
Aspecto merecedor de destaque é que as orientações contidas nesses acórdãos destinam-se aos administradores públicos, e não a particulares. Ademais, não se propugna a análise isolada do BDI de um orçamento, e menos ainda de seus componentes individualmente. A avaliação da adequação do valor de um empreendimento se dá pela análise de seus preços, e não de suas parcelas. Ao apreciar a questão, o TCU assim manifestou o seu entendimento (AC-1551/2008 - Plenário - sumário):
9. Não se admite a impugnação da taxa de BDI consagrada em processo licitatório plenamente válido sem que esteja cabalmente demonstrado que os demais componentes dos preços finais estejam superestimados, resultando em preços unitários completamente dissociados do padrão de mercado. Na avaliação financeira de contratos de obras públicas, o controle deve incidir sobre o preço unitário final e não sobre cada uma de suas parcelas individualmente. Também não se justifica o questionamento de taxa de BDI licitada com base em deliberação desta Corte que fixou limites mínimo e máximo para os componentes dessa taxa, mas apenas para obras de transmissão de energia elétrica (Acórdão no 325/2007-Plenário). Ademais, tais limites destinam-se precipuamente aos administradores públicos e aos órgãos de controle...
De forma semelhante, o voto condutor do AC-2641/2007 - Plenário, deixa claro que há liberdade para que as empresas proponentes de um certame licitatório apresentem a composição de seu BDI de acordo com as suas peculiaridades, não sendo exigível sua submissão às faixas referenciais indicadas pelo tribunal.
25. ... reputo que não cumpre ao TCU estipular percentuais fixos para cada item que compõe a taxa de BDI, ignorando as peculiaridades da estrutura gerencial de cada empresa que contrata com a Administração Pública. O papel da Corte de Contas é impedir que sejam pagos valores abusivos ou injustificadamente elevados e por isso é importante obter valores de referência, mas pela própria logística das empresas é natural que ocorram certas flutuações de valores nas previsões das despesas indiretas e da margem de lucro a ser obtida.
Outro tópico que tem sido alvo de críticas é o entendimento de que os tributos IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) não devem ser incluídos na composição do BDI. Pacificado no âmbito do TCU, esse entendimento foi consubstanciado na Súmula no 254/2010:
O IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica - e a CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - não se consubstanciam em despesa indireta passível de inclusão na taxa de Bonificações e Despesas Indiretas - BDI do orçamento-base da licitação, haja vista a natureza direta e personalística desses tributos, que oneram pessoalmente o contratado.
A Lei no 12.465/2011 (LDO/2012) positivou o mesmo entendimento em seu artigo 125:
§ 7o O preço de referência das obras e serviços de engenharia será aquele resultante da composição do custo unitário direto do sistema utilizado, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas -BDI, evidenciando em sua composição, no mínimo:
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II - percentuais de tributos incidentes sobre o preço do serviço, excluídos aqueles de natureza direta e personalística que oneram o contratado.
O que deve ser ressaltado nesses dispositivos é que eles não vinculam a proposta do particular, mas apenas os orçamentos elaborados pelos agentes públicos. O comando insculpido no §7o do art. 125 da LDO estabelece que o preço de referência das obras e serviços deverá cumprir os critérios contidos nos incisos que o compõem. De modo análogo, a Súmula no 254/2010 do TCU é clara ao limitar a sua aplicação ao BDI do orçamento-base da licitação.
Registre-se que, já em meados de 2008, a jurisprudência do TCU sinalizava a regularidade de as empresas licitantes indicarem de forma destacada o IRPJ e a CSLL em suas propostas, como esclarece o sumário do AC-1591/2008 - Plenário:
2. A indicação em destacado na composição do BDI do imposto de renda pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido não acarreta, por si só, prejuízos ao erário, pois é legítimo que as empresas considerem esses tributos quando do cálculo da equação econômico-financeira de sua proposta.
Um último ponto que tem provocado controvérsia é a adoção de BDI diferenciado (inferior) especificamente para os itens de fornecimento de materiais e equipamentos relevantes da obra. Críticas têm sido tecidas ao fato de que gestores estariam adotando BDI reduzido para o conjunto de materiais do objeto a ser licitado, desde que, somados, alcançassem valor expressivo.
Assiste razão aos críticos desse procedimento. Veja-se a questão à luz da jurisprudência do TCU, consolidada em sua Súmula no 253/2010:
Comprovada a inviabilidade técnico-econômica de parcelamento do objeto da licitação, nos termos da legislação em vigor, os itens de fornecimento de materiais e equipamentos de natureza específica que possam ser fornecidos por empresas com especialidades próprias e diversas e que representem percentual significativo do preço global da obra devem apresentar incidência de taxa de Bonificação e Despesas Indiretas - BDI reduzida em relação à taxa aplicável aos demais itens.
BDI condicionado
Podem aqui ser identificadas três condições para que haja a incidência de BDI reduzido. A primeira delas é estar "comprovada a inviabilidade técnico-econômica de parcelamento do objeto da licitação". Logo, a parcela à qual se pretende aplicar o BDI reduzido atenderia, em princípio, aos quesitos que indicassem uma licitação específica para sua aquisição, o que não teria sido possível devido à inviabilidade técnica ou econômica.
A segunda condição é que se trate de "materiais e equipamentos de natureza específica que possam ser fornecidos por empresas com especialidades próprias". Conclui-se daí que a orientação não se aplica a materiais corriqueiramente aplicados nas obras, mas somente àqueles fornecidos por empresas com especialidade peculiar e distinta, em relação à empreiteira.
A última condição exige que os materiais ou equipamentos representem "percentual significativo do preço global da obra". Não se pode entender, nesse ponto, que o aludido percentual significativo possa ser alcançado mediante o somatório de uma lista de itens de diferente natureza, pois isso contrariaria a segunda condição.
Em suma, o BDI diferenciado deve ser aplicado apenas no caso em que um ou mais materiais (ou equipamentos) a serem incorporados à obra sejam a tal ponto específicos e financeiramente relevantes que a atitude natural do gestor seria a sua aquisição em licitação distinta, porém esta se mostra inviável.
A tese que fundamenta a adequação do uso de um BDI inferior para essas parcelas baseia-se no fato de que a futura contratada assemelha-se, nesses casos, a mera intermediadora na aquisição do objeto. De fato, a composição de BDI específico para isso levaria a componentes com montantes bem inferiores aos usualmente praticados, como seria o caso do ISS e da Taxa de Riscos, para citar dois.
Por fim, recomenda-se a análise cuidadosa da jurisprudência aqui referida para a perfeita compreensão da matéria. Destarte, podem ser evitados equívocos como o cometido em manifestações técnicas recentemente divulgadas pela imprensa especializada ao se afirmar que haveria erro matemático nas tabelas que integram os acórdãos 325/2007 e 2369/2011, pelo fato de que a aplicação da fórmula das próprias deliberações, utilizando-se os valores dos componentes das tabelas, levaria a totais distintos dos ali apresentados.
Uma leitura atenta das deliberações, especialmente o relatório que antecede o AC-325/2007, esclarece que a sua tabela foi elaborada a partir de certa amostragem, da qual foram extraídos os mínimos e máximos de cada componente e do BDI total. Assim, por exemplo, o BDI total mínimo só seria igual àquele obtido pela aplicação da fórmula indicada no acórdão, usando todos os mínimos observados dos componentes, se todos estes tivessem sido observados numa mesma amostra, o que, como seria de se esperar, não ocorreu.
André Luiz Mendes, engenheiro civil, com especialização em Auditoria de Obras Públicas. Atualmente, ocupa o cargo de Secretário de Fiscalização de Obras do TCU (Tribunal de Contas da União)
FONTE: Construção Mercado :: Obras públicas :: ed 127 - Fevereiro 2012