Retenção na medida

Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2013
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Reter pagamentos de empreiteiros aumenta garantias da construtora de que demandas trabalhistas ou retrabalhos serão honrados; mas prática exige cautela quanto a prazos e termos da retenção
por Rodnei Corsini

Ao contratar um empreiteiro, grande parte das incorporadoras e construtoras retém parte do pagamento das medições dos trabalhos, por prazos variáveis, como forma de garantia contra eventuais prejuízos financeiros causados por responsabilidade da contratada - como, por exemplo, reexecução de serviços e processos trabalhistas movidos por funcionários das empreiteiras.

A retenção deve estar amparada por uma cláusula no contrato entre a construtora e a empreiteira. "No caso de um eventual retrabalho, é melhor sim que a construtora já esteja com o dinheiro na mão - porque faz o desconto diretamente, sem que se tenha que exigir que o empreiteiro devolva o dinheiro", diz André Choma, engenheiro master da Vale e autor do livro Como Gerenciar Contratos com Empreiteiros. Mas a prática, naturalmente, não garante imunidade à contratante. "Já nas questões trabalhistas, fica-se em uma encruzilhada. O tempo que um funcionário tem para reclamar é longo - dois anos - e fica muito difícil para a empresa conseguir se garantir por esse tempo todo", justifica.

Além disso, a contratante não pode se apoiar nessa cláusula do contrato para deixar de se responsabilizar pelos funcionários de terceiros que trabalham em seus empreendimentos. "A Justiça do Trabalho já pacificou entendimento no sentido de que há responsabilidade trabalhista - solidária ou subsidiária - nos contratos de empreitada quando o dono da obra for empresa construtora ou incorporadora", adverte Priscila Lago, advogada do grupo de prática trabalhista do escritório Trench, Rossi e Watanabe.

Foto: Marcelo Scandaroli
A retenção costuma ser praticada apenas nos grandes contratos de empreitada, como a execução das estruturas

A advogada especialista na área de contratos Marcia Calafate, sócia do Trench, Rossi e Watanabe, explica que, pelo fato da prática da retenção poder ser acordada entre as partes, não há limite máximo de prazo para a retenção. "Mas recomenda-se que as partes sejam razoáveis ao estabelecer os seus termos, inclusive o prazo, para que eles não sejam abusivos e acabem inviabilizando o desenvolvimento do trabalho do contratado", alerta.

A legalidade da retenção é em geral inquestionável quando os termos do contrato são respeitados. "Em Curitiba, já tive casos de empresas que entraram na Justiça questionando essa retenção e a construtora teve ganho de causa. A maioria dos tribunais, aqui, consideram a retenção legal", diz a advogada Paula Guérios, sócia do escritório Soares Neto & Guérios Advogados Associados. Ela explica que a cláusula precisa estar muito clara e bem especificada. A última revisão do Código Civil, em 2002, determinou que contratos particulares são revestidos do princípio da boa-fé - isso significa que o que é estipulado neles é considerado uma lei entre as partes. "Eu acho muito mais interessante que exista essa cláusula contratual em vez de se correr o risco de, em uma provável demanda judicial, vir a perdê-la", afirma Paula.

Arquivo pessoal



'A Justiça do Trabalho já pacificou entendimento no sentido de que há responsabilidade trabalhista - solidária ou subsidiária - nos contratos de empreitada quando o dono da obra for empresa construtora ou incorporadora'
Priscila Lago, advogada especialista na área trabalhista
 

Modelo de cláusula

A cláusula de retenção de pagamento deve ser bem clara. Veja um modelo sugerido pela advogada Paula Guérios, sócia do escritório Soares Neto & Guérios Advogados Associados.

RETENÇÃO
As partes de comum acordo e cientes das suas responsabilizações estipulam a retenção correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor das Notas Fiscais emitidas no mês, ou seja, sobre as Notas de Adiantamentos e de Medições. A liberação dos valores relativos à retenção ocorrerá em favor da empresa Contratada em até 02 (dois) anos a contar da assinatura do termo de encerramento/rescisão deste contrato, referente ao término dos serviços prestados, e desde que a documentação referente aos serviços prestados esteja de acordo com o item XX [documentos relacionados abaixo]. Caso a documentação ao final deste contrato esteja em dia e apta, o valor da retenção, então, será liberado em até (cinco) dias úteis após a apresentação e análise documental.

Fica ciente a CONTRATADA de que o valor correspondente à retenção acima mencionada poderá ser utilizado pela CONTRATANTE a qualquer momento para os casos de, e não somente estes, pagamento de multas, autos de infrações, acordos realizados na Justiça do Trabalho decorrentes do exercício profissional dos empregados da CONTRATADA, pagamento de guias de recolhimento da previdência social - INSS, indenizações decorrentes de acidentes de trabalho, e outras despesas que se façam necessárias e que sejam provenientes da prestação de serviços relativos ao objeto do presente instrumento de contrato, do que concordam as partes contratantes em todos os seus termos e condições, não havendo qualquer óbice entre as partes quanto ao que está sendo disposto no presente contrato em relação aos percentuais de retenção e suas utilizações.


Divulgação: MPD
A MPD Engenharia retém 5% do valor do contrato, por seis meses, como garantia contra eventuais pendências não resolvidas pelo subempreiteiro

Quando a contratante opta por reter o pagamento, o contrato deve expressar todas as condições aplicáveis à retenção: qual valor deverá ser retido de cada parcela do preço a ser pago, qual a finalidade da retenção, qual o prazo para a liberação do valor retido e quais as condições de liberação. "Os termos da retenção devem ser razoáveis. Agindo assim, não haverá risco para a empresa contratante, mas sim segurança jurídica porque a retenção pode ser utilizada para garantir diversas obrigações contratuais", diz Marcia Calafate. A advogada também ressalta que a retenção em si, constando no contrato, não é discutível do ponto de vista legal.

Entre as obrigações exigidas da empreiteira no contrato, costumam estar o cumprimento do prazo de entrega e a garantia dos serviços prestados. Além disso, também devem ser exigidas as obrigações trabalhistas do contratado que, caso não sejam cumpridas, podem gerar processos - como o pagamento dos funcionários alocados na obra e o recolhimento dos encargos.

Tipos de retenção
André Choma já teve conhecimento de construtoras que praticavam a retenção de 10% do valor dos serviços por um período de até dois anos. Mas, em geral, o percentual e o período de retenção costumam ser menores. Pelo que o engenheiro pôde notar em sua experiência profissional, a maioria das construtoras retém 5% do valor por um período que vai de 30 até 180 dias do término dos serviços.

A construtora e incorporadora MPD Engenharia tem como procedimento em suas contratações reter 5% do valor do contrato como garantia contra eventuais pendências não resolvidas pelo subempreiteiro. "Essas pendências podem ser de qualquer ordem: serviços executados em desacordo e que não tiveram a reparação devida; pagamentos de salários, adiantamentos, encargos sociais etc., devidos aos seus funcionários e não quitados a tempo; multas impostas pelos órgãos oficiais em decorrência de falta de atribuições destes; compra de EPIs de responsabilidade dos subempreiteiros; multas contratuais, ações trabalhistas, nas quais a MPD foi incluída no polo passivo e que resultou em condenação e, portanto, com desembolso da MPD, entre outros", diz Antonio Jambeiro, diretor técnico da MPD.

A empresa retém o percentual por pelo menos seis meses após a conclusão dos serviços, desde que não existam pendências contratuais e ou ações trabalhistas ainda não julgadas. A liberação é formalizada mediante Termo de Encerramento e Quitação do Contrato. Assim como no prazo de retenção, não há previsão legal quanto à porcentagem máxima ou recomendada. "A porcentagem da retenção costuma ser definida caso a caso, levando-se em conta o vulto da obra, a sua complexidade e os riscos envolvidos", diz Marcia Calafate.

TIRA DÚVIDAS
A retenção pode ser considerada abusiva?
A retenção é legal desde que praticada dentro dos termos estipulados no contrato entre as partes.

Qual percentual do pagamento pode ser retido? E por quanto tempo?
Não há nenhuma recomendação ou restrição jurídica quanto ao percentual a ser retido e quanto ao prazo de devolução. Entretanto, é de bom senso que a retenção não inviabilize o negócio para a empreiteira.

A retenção protege a contratante contra irregularidades da subempreiteira?
Não. O valor retido pode ser usado para pagar pendências de responsabilidade da contratada. Mas questões legais, como a observação do cumprimento de leis trabalhistas, também podem ser consideradas de responsabilidade da contratante. A melhor garantia é verificar a idoneidade da contratada e fiscalizar sua legalidade quanto às obrigações trabalhistas.

Quais os prós e contras da retenção para a construtora?
A retenção, amparada por cláusula no contrato, é considerada positiva para a construtora como forma de garantia financeira contra pendências de sua contratada. Entretanto, as empreiteiras costumam considerar o valor retido na formulação de seus preços, implicando contratos mais caros.


Foto: Marcelo Scandaroli


'A retenção, no meu entender, não traz prejuízos - traz um outro panorama, que é legal e importante do ponto de vista de relações de empresas'
Sheyla Serra, professora do programa de pós-graduação em construção civil da UFSCar
 

A retenção não costuma ser praticada em todos os serviços prestados em uma obra. "Os contratos de locação de equipamento pela empresa não possuem cláusula de retenção, assim como os contratos de pequeno valor e de curta duração", diz Antonio Jambeiro. Nos demais casos, a prestação de serviços à MPD - em especial, os relacionados com atividades da parte civil ou de instalações elétricas e hidráulicas - é sujeita à retenção de garantia.

Arquivo pessoal



'Para serviços menores, como instalação de gesso e ar-condicionado, normalmente não é feita a retenção. Se não, haveria muito trabalho para gerir todas essas retenções de empreiteiros pequenos'
André Choma, engenheiro master da Vale
 

Choma também afirma que a retenção é mais praticada para os grandes contratos de empreitada - onde há grandes equipes de estrutura, alvenaria ou acabamento por exemplo. "Para serviços menores, como instalação de gesso e ar-condicionado, normalmente não é feita a retenção. Se não, haveria muito trabalho para gerir todas essas retenções de empreiteiros pequenos", afirma.

Gestão dos empreiteiros
A retenção dá mais garantias à contratante, mas há outras formas de diminuir os riscos, inclusive evitando o uso do percentual retido do empreiteiro. Choma lembra que a rotatividade das empresas prestadoras de serviço é bastante alta, além do tempo de vida da maioria das empreiteiras não ser muito longo. "Para diminuir os riscos, acho que uma das melhores saídas é uma parceria de longo prazo - em que a contratante consegue ter um trabalho no qual a equipe presta um bom serviço e investe-se, inclusive, em capacitação", diz. Ele afirma que, na gestão do empreendimento, é muito importante cobrar os comprovantes dos pagamentos de todos os direitos dos funcionários terceirizados, além de não aceitar irregularidades da contratada.

A retenção sem cuidados pode, inclusive, inviabilizar financeiramente as contratadas. "Se eu retiver demais e esmagar o empreiteiro, o problema vai ser maior para mim também. E, por outro lado, se o empreiteiro tem consciência do quanto custa essa retenção, ele deveria colocar isso em cima do preço dele", diz Choma. A professora do programa de pós-graduação em construção civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sheyla Serra, afirma que, muitas vezes, a contratada dá até um preço menor por não haver a retenção. "São casos de parcerias estratégicas. Mas a retenção, no meu entender, não traz prejuízos - traz um outro panorama, que é legal e importante do ponto de vista de relações de empresas. O contrato tem que ser um instrumento gerencial", afirma.

Em sua pesquisa para a tese de doutorado, Sheyla Serra entrevistou subempreiteiras que afirmavam que, para manter a parceria com construtoras de renome, aceitavam a retenção sem considerá-la um fator negativo. "Dependendo do cliente, as subempreiteiras absorvem a retenção no próprio preço que fornecem. Acho que essa prática é tão comum que não chega a ser um desestímulo", diz.

A advogada Priscila Lago lembra da importância de se certificar de que o empreiteiro cumpre regularmente a legislação trabalhista e previdenciária e é financeiramente idôneo, antes mesmo da contratação e durante o desenvolvimento do contrato. Essa verificação pode ser feita por meio do exame de documentos que comprovem o cumprimento das obrigações trabalhistas e fiscais (veja quadro). "O exame dos documentos e das certidões serve não só para aferir a regularidade e a idoneidade no cumprimento das obrigações pela contratada, mas poderá demonstrar, para evitar responsabilização por eventuais processos trabalhistas, que a empresa agiu cuidadosamente tanto na contratação do parceiro, quanto na execução do contrato", diz.

Documentação em dia

Com relação à documentação da empresa contratada, Paula Guérios lista que o responsável pela contratação deve ficar atento aos seguintes documentos:
- Alvará de funcionamento da contratada;
- Cópia do cartão do CNPJ;
- Contrato social;
- Certidão simplificada da Junta Comercial;
- Comprovante de endereço dos sócios;
- Cópia da carteira de identidade dos sócios;
- Cópia do CPF dos sócios.

Além dos documentos que comprovam a constituição e a regularidade da empresa, é importante que o responsável pela contratação também exija as seguintes certidões negativas:
- Certidão negativa da Justiça do Trabalho;
- Certidão negativa de Débito do Sintracon;
- Certidão negativa de Débito do Sinduscon;
- CRF do FGTS (Caixa Econômica Federal).

E, em relação aos documentos dos funcionários da empresa empreiteira, devem ser coletados:
- Cópia da Carteira de Trabalho assinada;
- Cópia da Ficha de Registro do Funcionário, com foto;
- Cópia do ASO (Atestado de Saúde Ocupacional).


Fonte: http://revista.construcaomercado.com.br/guia/habitacao-financiamento-imobiliario/138/artigo275661-1.asp







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