"O maior erro é terceirizar a construção"

Segunda-feira, 14 de Janeiro de 2013
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Presidente da MRV conta como a empresa atingiu o maior lucro líquido do setor no último ano trabalhando exclusivamente no segmento mais problemático. Para Rubens Menin, construção própria é chave para a rentabilidade na baixa renda
Pâmela Reis

A reportagem de capa desta edição fala sobre os estouros de orçamento relatados por construtoras desde o final de 2011. Entre os vilões da lucratividade, empresas de capital aberto apontam o segmento econômico, de margens apertadas e pouco espaço para erro, um dos responsáveis por minar resultados de quem se aventurou neste mercado.

O raciocínio, no entanto, não se aplica ao caso da MRV. A construtora se dedica exclusivamente a imóveis populares e, mesmo assim, apresentou o maior lucro líquido do setor na Bolsa em 2011, com R$ 760 milhões, além da terceira melhor margem líquida, de 18,9%. Segundo a consultoria Economática, o lucro da MRV liderou, inclusive, o ranking das empresas de construção residencial da América Latina e dos Estados Unidos, deixando para trás muitos concorrentes que trabalham apenas no médio e alto padrão.

A diversificação geográfica, outra fonte de lamentações para grandes incorporadoras, também não foi problema no balanço da MRV. A empresa tem mais de 300 obras espalhadas por 18 Estados e 112 cidades, sem que isso comprometesse seus resultados ou causasse descontroles significativos de custos.

Para entender o modelo de negócio que conduziu a estes números, Construção Mercadoentrevistou o presidente da companhia, Rubens Menin, hoje com 56 anos. Ele se formou em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1978 e, um ano depois, fundou a MRV junto com os primos Mário Lúcio Pinheiro Menin e Homero Matos - este último, sócio da Vega Engenharia, onde Menin começara a carreira como estagiário.

A construtora foi ganhando corpo no segmento popular e, em 2007, entrou para o grupo das S.A. com a maior oferta inicial de ações (IPO) do setor: R$ 1,19 bilhão. Foi também uma das construtoras que participaram da gênese do Minha Casa, Minha Vida e é hoje uma das principais parceiras da Caixa Econômica Federal no programa.

A seguir, Menin conta como a empresa conseguiu crescer em tamanho e em cifras e quais foram as estratégias para driblar os problemas que derrubaram muitos de seus concorrentes.

Já foi dito em outras reportagens que a MRV pretende se tornar a maior construtora do Brasil. Esse ainda é o objetivo?
A MRV quer ser a maior do segmento de imóveis populares, e ela já é. O Brasil tem um mercado muito grande, não só pelo tamanho da população, mas também pelo perfil demográfico. Nós formamos 1,5 milhão de novas famílias por ano e a oferta de imóveis ainda é muito menor que a demanda. O País com certeza terá uma construtora entre as maiores do mundo, e se formos a maior do Brasil, certamente estaremos entre as maiores do mundo também. O ponto médio do guidance para esse ano é de mais ou menos 50 mil unidades. Mas queremos até 2015 chegar a construir 70 mil unidades por ano.

Você acredita que o porte é um diferencial importante no mercado habitacional? Afinal o ganho de escala neste setor não é tão evidente.
Eu discordo de você, acredito que a grande saída está sim em escala. Hoje, com 150 fornecedores nós fazemos 90% das compras em termos de valor. Nossos produtos são todos padronizados. O projeto de Porto Alegre é o mesmo de Recife, Fortaleza ou Brasília. Compramos a mesma cerâmica, as equipes têm o mesmo treinamento. Essa é a verdadeira industrialização da construção. Trabalhamos como em uma linha de produção.

"As empresas normalmente esperam a obra chegar ao fim para revisar o orçamento, e é aí que aparece o problema. Não adianta colocar debaixo do tapete para mostrar resultados melhores. Tudo o que estoura no orçamento aparece, mais cedo ou mais tarde"

Mas a escala esbarra nas diferenças, por exemplo, entre os códigos de obra das várias regiões, não é verdade?
Isso é um problema. O projeto não pode ser 100% padronizado porque existem algumas divergências regionais e temos que nos adaptar a elas. Mesmo assim conseguimos padronizar bastante.

Para quem atua no médio e alto padrão também é possível ter esses ganhos de escala?
Não, isso é uma característica do econômico e a MRV só trabalha neste segmento. Imóveis de médio e alto padrão são muito customizados.

Apesar disso, empresas do médio e alto padrão também buscaram a escala nacional e muitas tiveram dificuldades. Um dos problemas apontados pelas grandes incorporadoras foram as parcerias regionais, que causaram descontrole dos custos e da qualidade das obras. Como a MRV lida com isso?
Temos algumas pequenas parcerias regionais, mas apenas na incorporação. São empresas locais que conhecem bem o mercado e nos ajudam a escolher os terrenos, mas a construção é toda da MRV. Quando muita gente achava que construção era commodity, eu defendia que ter a equipe de construção em casa fazia a diferença. Hoje temos três vice-presidentes e seis diretores de produção, 65 supervisores de obra, 300 engenheiros e 700 estagiários. Isso faz diferença.


Acredita que a terceirização da construção tenha sido o principal erro das empresas na expansão geográfica? 
Acho que são dois pontos. O maior erro foi terceirizar a construção, mas houve alguns erros de incorporação também. Muitas compraram terrenos errados, no lugar errado e fizeram projetos errados.

Mas as parcerias regionais não serviam justamente para ajudar na compra de terrenos e no conhecimento do mercado local? 
Sim. O problema é que grande parte das parcerias foram feitas com empresas problemáticas, com dificuldades financeiras, algumas em concordata. Eram empresas antigas, mas pouco eficientes. Não eram bons exemplos de construtora. As regionais que estavam bem no mercado local quase não fizeram parcerias.

Existe um ritmo de crescimento ideal para uma empresa deste setor?
A MRV cresceu muito de 2005 até 2011. Nossa receita, que era de cerca de R$ 120 milhões em 2005, chegou a R$ 4 bilhões em 2011. Já em número de unidades ficamos 20 vezes maiores, partindo de 2 mil para 40 mil unidades em seis anos. Só que não é mais possível continuar crescendo neste ritmo. Agora queremos partir de 40 mil para 70 mil unidades até 2015. Ainda é um crescimento alto, porém mais lento. Não conseguiríamos mais crescer naquela velocidade e nem seria sustentável. Crescer 15% a 20% ao ano é bastante e esse é nosso planejamento estratégico até 2015.

A empresa ainda está procurando novas regiões ou o objetivo é crescer nas cidades onde a MRV já atua?
Estamos em todas as regiões do Brasil exceto a Norte, onde não pretendemos entrar porque a densidade populacional é muito baixa. Já atuamos em 18 Estados e 112 cidades e queremos chegar a 120. Aí teremos espaço para crescer sem precisar aumentar muito o número de municípios, pois já conseguiremos atingir o mercado que vai nos proporcionar fazer 70 mil unidades/ano.

Como a MRV consegue gerenciar a construção própria com tantas obras espalhadas pelo Brasil? 
Acho que é uma questão de foco e especialização. São 33 anos fazendo a mesma coisa. A padronização também facilita muito nosso trabalho. Quando uma empresa faz construções muito diversificadas, constrói um prédio de luxo aqui e um comercial ali, fica difícil manter a gestão. Hoje a MRV só faz um tipo de imóvel e conseguimos construir bem em todas as praças. Se estivéssemos no médio ou alto padrão acho que seria impossível ganhar essa batalha.

Mas para citar apenas um exemplo, a Tenda é outra empresa especializada, com foco na baixa renda, e que tem enfrentado problemas graves de rentabilidade. Como foi que a MRV não passou pelos mesmos problemas da Tenda? 
A Tenda não tinha equipe própria de construção. Ela comprava terreno e contratava outra empresa para fazer a obra, e muitas dessas empresas não tinham nem capacidade de produção eficiente nem qualidade técnica. Esse foi o grande problema. As empresas de construção têm que investir no corpo técnico, não tem jeito. A MRV forma pessoas na sede, em Belo Horizonte, e depois exporta. Também temos centrais grandes em São Paulo, Curitiba, Campinas, Ribeirão Preto e Salvador, que também estão formando pessoal.

"Como fazemos imóveis padronizados, temos um orçamento bem balizado. É muito mais fácil fazer o orçamento de uma obra que é sempre igual. Por isso nossos estouros são pequenos"

Muitas incorporadoras que entraram no segmento econômico foram prejudicadas pelas margens apertadas, sofreram financeiramente e reduziram sua participação nesse mercado ou saíram completamente dele. Como a MRV consegue atuar só no econômico e ainda assim manter um dos maiores lucros e margens do setor na bolsa?
Mais uma vez, as empresas incorporam, mas não constroem. Só é possível fazer margem na baixa renda se você for o próprio construtor. Quando se paga para outra empresa construir, você está repassando lucro e aumentando a carga tributária. Sem ter a construção dentro de casa, a empresa vai deixar dinheiro na mesa e vai ter margens baixas.

Em 2011, 88% das vendas da MRV eram elegíveis ao Minha Casa, Minha Vida. A forte exposição da companhia ao programa não é um risco? 
Nós estamos no mercado mais fecundo, onde há mais funding e onde está a maior camada da população e a maior demanda. Temos uma classe média com renda, crédito disponível, poder de consumo fantástico. Não tem como parar de construir. Fico muito tranquilo em relação à decisão estratégica da empresa de manter o foco neste segmento.

Mas hoje este segmento é muito dependente do Minha Casa, Minha Vida. O programa habitacional não corre o risco de ser descontinuado depois de 2014?
Acho que o Minha Casa, Minha Vida não acaba nunca. Ele pode até mudar de nome por alguma mudança política, mas o programa não acaba. Basta ver a representatividade que a construção tem no PIB [Produto Interno Bruto] e a geração de emprego.

Alguns analistas já apontam uma desaceleração acima do esperado no programa e muitas construtoras têm saído do Minha Casa. Ele não corre o risco de perder força?
Algumas empresas saíram sim, mas são empresas que não trabalhavam neste segmento. Viram o Minha Casa, Minha Vida, resolveram entrar, não tinham estrutura e quebraram a cara. Isso é normal. Porém o programa está contratando cada vez mais, crescendo contínua e sustentavelmente.

As construtoras que atuam no programa reclamam da inviabilidade dos preços na faixa 1, para famílias com renda de até R$ 1,6 mil. Vocês trabalham nesta faixa?
Trabalhamos pouco. Temos um compromisso com a Caixa de sempre fazer algum empreendimento para a faixa 1, mas não é nosso foco. A faixa 1 é difícil e tem que ser melhorada para chegarmos aos números de que esse segmento precisa. Há pontos a serem melhorados nos valores, mas também há o problema da infraestrutura do terreno e a necessidade de maior interligação com os órgãos públicos, que dificultam um pouco as coisas.

Um ponto comum das empresas da baixa renda é o alto volume de reclamações dos consumidores. A MRV, apesar dos bons resultados financeiros, é a segunda empresa da área de habitação com mais reclamações no Procon-SP em 2011, atrás apenas da Tenda, além das queixas abundantes nas redes sociais. Como vocês lidam com esses problemas de imagem?
Temos sim muitas reclamações e nunca vamos deixar de ter, porque nosso volume de empreendimentos é muito grande. Mas estamos trabalhando para atendê-las. Nossos indicadores percentuais são bons, mas em termos absolutos os números são ruins porque temos muitos clientes. Só com as 50 mil unidades deste ano serão 50 mil clientes. Na verdade mais, porque ainda temos as mulheres desses clientes. É um desafio mexer com massa. Mas estamos melhorando a área de atendimento e ampliando a abrangência da assistência técnica.

Em 2011 muitas incorporadoras enfrentaram estouros de orçamento, como ficou evidente nos balanços divulgados ao mercado. A MRV tomou alguma medida para evitar sofrer com os estouros?
Nos orçamentos nós temos acertado mais do que a média do mercado. Como fazemos imóveis padronizados, temos um orçamento bem balizado. É muito mais fácil fazer o orçamento de uma obra que é sempre igual do que de obras que são sempre diferentes. Por isso nossos estouros são pequenos. Mas independente de serem estouros altos ou baixos, quando eles acontecem é importante lançar no balanço imediatamente.

"Temos muitas reclamações [de clientes] porque nosso volume é muito grande. Os indicadores percentuais são bons, mas em termos absolutos os números são ruins. É um desafio mexer com massa"

Como assim?
Se a empresa deixa para reconhecer o estouro só no final da obra, aqueles resultados que vinham sendo apresentados até então não espelhavam a realidade. Sempre procuramos reconhecer os estouros antecipadamente, por isso as margens que a MRV reporta são margens reais. Fazemos revisões de orçamento mensais e uma grande revisão anual. Não adianta colocar o problema debaixo do tapete para mostrar resultados melhores. Tudo o que estoura no orçamento aparece, mais cedo ou mais tarde. E a empresa acaba pagando a conta lá na frente.

Foi isso que aconteceu com algumas incorporadoras no final de 2011?
Exato, as empresas normalmente esperam a obra chegar ao fim para revisar o orçamento, e é aí que aparece o problema. Não dá para deixar a revisão para o final. Não pode deixar acumular estouro. Esse é um ponto fundamental.

Mas por que isso não é uma prática entre as empresas?
Acho que algumas delas bobearam. Algumas fizeram benfeito, assumiram o problema e avisaram com antecedência. Outras deram bobeira.

Esses problemas que estão aparecendo agora vêm, em boa parte, da conclusão da primeira leva de empreendimentos lançados após os IPOs. Podemos considerar este momento como um fechamento de ciclo?
Sim, de fato as empresas cresceram muito e estão fechando um primeiro ciclo. As obras foram lançadas, vendidas, terminadas, o dinheiro voltou e agora as empresas estão começando uma nova fase. Esse fechamento deixa claro para o mercado como foi o desempenho das empresas naquele período inicial.

O que fica de lição? 
Passamos por uma peneira. Muitas empresas ficaram para trás, mas acho que a indústria da construção civil amadureceu. Vejo que todas as empresas aprenderam bastante e agora precisam ter mais consistência, não podem se alavancar, têm que ter geração de caixa. As empresas que estão aqui hoje estão muito mais maduras e bem gerenciadas.

Então os sustos não devem se repetir?
Sustos sempre vão acontecer, mas acho que não na mesma intensidade.

E o mercado de capitais já aprendeu a ler as peculiaridades do setor da construção? Inicialmente os analistas faziam cobranças que se mostraram pouco saudáveis para o setor, como a pressão por banco de terrenos e Valor Geral de Vendas (VGV). 
Quando começamos a pensar no mercado de capitais, em 2005, o mercado era cru e os analistas e investidores também. Hoje eles veem o setor de forma mais completa, mas ainda falta conhecimento. Por exemplo, eu sou muito preocupado com o resultado anual, porque dentro do trimestre há grandes variações. Mas os analistas estão apenas começando a enxergar isso.

Fonte: http://revista.construcaomercado.com.br/negocios-incorporacao-construcao/131/artigo260060-1.asp







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